O Fórum dos Resíduos
O 15º Fórum dos Resíduos não podia iniciar-se sem evocar a saudosa memória do Senhor Prof. Fernando Santana que merece todo o respeito e estima do setor do Ambiente em Portugal.
Depois, não sei se foi das saudades do modo presencial, mas este Fórum correu, e julgo que é unânime, muito bem. Constituiu um agradável reencontro da “família dos resíduos”, com boas intervenções e debates com excelentes oradores e, claro, participantes. Assim sendo, só não se entende que o setor não avance de forma mais célere, eficaz e eficiente rumo ao cumprimento das exigentes metas europeias.
Ficámos por esses dias a saber que Portugal não cumpriu as metas de 2020 e que o PERSU2030 está em apreciação na Secretaria de Estado do Ambiente, aguardando-se a sua consulta pública. Ficou assim, e face à atual conjuntura política, a ideia de um balanço de fim de ciclo e início de outro que se deseja promissor.
Independentemente do futuro, deixo uma palavra de apreço para a Senhora Secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa, que demonstrou o seu empenho e motivação em trabalhar em prol do setor dos resíduos, assumindo também os constrangimentos que ainda existem para a mudança necessária e evolução rumo a uma economia circular.
Da parte que me toca, alertei para alguns assuntos, mas neste breve espaço abordo apenas o PERSU 2030.
As grandes prioridades do PERSU 2030 – que nesta fase ainda não conhecemos – deverão visar cumprir as metas e objetivos europeus a que o País se encontra comprometido. Esta é a premissa da qual não podemos fugir.
Assim sendo, o problema não é a identificação das prioridades que são claras: a aposta na recolha seletiva, em particular nos biorresíduos; a redução da produção de resíduos e da deposição em aterro. O problema é a estratégia que, podendo ser adequada do ponto de vista teórico, não tem trazido os resultados pretendidos e que, nesta fase, mais do que pretendidos são obrigatórios.
Em 2018, a União Europeia reviu as Diretivas relativas a resíduos, estabelecendo metas mais ambiciosas para a gestão de resíduos urbanos, nomeadamente para a preparação para reutilização e reciclagem e desvio de RU (resíduos urbanos) de aterro. As diretivas vieram também definir prazos para a implementação de soluções dedicadas para três fluxos: biorresíduos, resíduos perigosos domésticos e resíduos têxteis.
Apesar de algumas barreiras, a gestão de RU em Portugal tem evoluído de forma positiva. Em cerca de 20 anos, Portugal foi capaz de implementar sistemas adequados para a gestão de RU e promoção da valorização, aproximando-se das metas referentes a 2020. Contudo, os recentes desenvolvimentos das políticas europeias vieram inviabilizar a estratégia assumida nos sucessivos documentos estratégicos, obrigando Portugal a repensar todo o sistema de gestão de RU.
Um dos elementos centrais da política de RU, desde o PERSU 2020, foi o estabelecimento de metas para os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), e posteriormente a definição de penalizações via taxa de gestão de resíduos (TGR) não repercutível sobre estas entidades, o que não se revelou um instrumento eficaz, para além das fragilidades legais da sua conceção, que se revela mais um imposto e uma sanção sem que, no entanto, cumpra os requisitos da aplicação de uma sanção. Desde logo a ausência do nexo de causalidade entre a causa e o efeito, isto é, em caso de incumprimento das metas quem suporta a penalização são os SGRU, mesmo que não tenham tido responsabilidade nas causas para o seu incumprimento.
No contexto da revisão do PERSU 2030 urge rever o conceito de metas e como estas são definidas. Desde logo, defendo que as metas sendo do país não devem ser aplicáveis apenas aos SGRU.
A existirem metas entendo que estas deverão ser construídas não com base no que são os objetivos nacionais mas sim o que é possível operacionalizar na gestão de resíduos urbanos, de acordo com princípios de racionalidade técnica, económica e ambiental.
Finalmente, não se conhecendo a versão do PERSU 2030 que determinará a fixação das metas, mas decorrendo estas necessariamente das metas fixadas no acervo legislativo comunitário relativo aos resíduos, não é preciso conhecer a versão final deste instrumento para assumir a dificuldade, se não impossibilidade, de Portugal as atingir, sobretudo se não for implementado um plano de ação de emergência medidas integradas e realistas face ao atual cenário de desempenho nacional, de modo a superar o estado de estagnação que se encontra há já vários anos.
Os SGRU e os Municípios não devem ser vistos como os únicos agentes da gestão de resíduos urbanos. Como corolário, as metas nacionais impostas pela Diretiva relativa a Resíduos não devem ser traduzidas exclusivamente em metas para os SGRU e Municípios. Por outras palavras, a existirem, a diferença entre as metas europeias e as metas dos SGRU deve ser compensada pelos fluxos de resíduos urbanos provenientes das atividades geradoras de resíduos equiparados (p.ex., atividades comerciais) e geridos por operadores privados.
No contexto da revisão do PERSU 2030, urge rever o conceito de metas e como estas são definidas. Assim, defendo, desde logo, que as metas não deverão traduzir-se em penalizações financeiras para os SGRU mas sim atribuídas em termos nacionais, à semelhança do que acontece em outros Estados Membros em que a responsabilidade é imputada a nível nacional.
Fiquem bem e até ao próximo Fórum dos Resíduos.
Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação de Empresas Gestoras de Sistemas de Resíduos.
Docente convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente.
Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional.
Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.